sábado, 23 de julho de 2011

Daqui a cem anos

Daqui a cem anos não serei de mim. Minhas cinzas, o punhado que restar da cremação, já estarão integradas ao útero fértil da terra. De minha obra talvez figure, não mais que um ou dois livros, num catálogo de alfarrábios. Nos arquivos de um convento, um frade curioso saberá que um dia o precedi nas sendas de São Domingos. E não mais.

A idéia da imortalidade pesa-me como fardo ridículo de vaidade póstuma. Que importância têm os aplausos depois que os atores deixam o teatro? A notoriedade não me adula. Mineiro, curto a discrição, poder parar anônimo numa esquina, misturar-me à multidão, entregar-me à leitura na fila sem merecer o olhar invasivo de quem se me avizinha. Bastam-me as letras a me desnudarem frente ao leitor, e a fé de que me aguarda um fim infindo. Quero o colo de Deus. E não mais. Porque o verdadeiro amor sempre é terno.

Sinto-me um grão de areia ao meditar no acúmulo de séculos soterrados pelo passado e a se desdobrarem em futuro, antes que a nossa estrela-mãe queime em brilhos todo o seu combustível, calcinando este planeta pintado de azul e verde. Agora sou um entre mais de 6 bilhões. Como é possível caber tanta pretensão em tão diminuta pequenez? Por que o coração se infla de ambições, a mente transtorna-se retorcida pelo egoísmo, as mãos se apegam ciosas a objetos destituídos de vida? Pra que essa sofreguidão insana, a corrida contra o relógio, a irrefreável gula frente ao mundo circundante?

Desacelero. Fecho os olhos para ver melhor. A meditação afasta-me de mim mesmo, devolve-me àquele Outro que não sou eu e, no entanto, funda a minha verdadeira identidade. Assenta toda a poeira que me asfixia na azáfama cotidiana. Renova o meu oxigênio espiritual. Revolve esse canteiro que trago no mais íntimo de mim, sempre à espera da inefável semente divina.

Em setembro de 2105 terá sido inútil toda a minha pressa. Essa voracidade d'alma será apenas um definitivo silêncio no tempo. Estarei emudecido pela deslembrança. Não colherei as flores da primavera, nem ouvirei o som da flauta que embala minhas manhãs orantes. Transmutado no ciclo implacável da natureza, serei o que já fui: multidão de bactérias, húmus de um caule que brota, alimento de um pássaro.

Tenho 15 bilhões de anos. Sei que, como toda matéria, comungo a perene transubstanciação de todas as coisas criadas. Existo, coexisto e subsisto em Universo, não em pluriverso. Dentro de poucos anos serei tragado pelo ritmo da entropia, e minhas células se condensarão em moléculas integradas no baile alquímico da evolução. De novo, serei um com o todo. O oceano não é mais do que a interação de pingos d'água.

Essa certeza recata-me ansiedades. Volto a mim mesmo, ao recôndito do espírito, atento à delicadeza da vida. Tudo é liturgia, basta ter olhos para crer: o pão sobre a mesa, a água derramada no copo, a janela assediada pelo vento, a roda pétrea do amolador de facas, a vela consumindo-se de luz junto ao sacrário, o cheiro doce de manga, o mistério do momento exato em que o sono me seqüestra, a foto de meu pai na estante de livros, o grito alegre de uma criança que talvez colha em vida setembro de 2105.

O melhor da existência são as contas de seu colar, as diminutas miçangas que formam belos desenhos, os cacos do vitral. A conversa inconsútil com os amigos, a língua perfumada pelo vinho, os salmos de Adélia Prado, a sesta de domingo, a inveja dos velhos jogando dama na praça, o gesto de carinho, o cuidado solidário.

Daqui a cem anos, quando setembro vier, o mundo estará, como sempre, entregue a si mesmo, porém sem o concurso de minhas ambições, pretensões e inquietações.

Meditar no futuro aquieta-me. Impregna-me de um profundo sentimento de desimportância.

(por Frei Betto)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Apenas um poema

Se a brisa da manhã tocar o teu rosto e num gracejo fogoso fizer teus
cabelos brincar, saiba que é um carinho meu,
que sem querer dizer adeus, pedi ao vento para te entregar...

Se ao andar pelas matas sentir o cheiro da vida, de folhas secas e
molhadas, perfume de flores, pode ser jasmim ou qualquer coisa assim, é
ainda a minha mensagem que vai com o meu perfume, para você jamais esquecer
de mim...

Ao ouvir o barulho de água cristalina, limpa, pura, vai te lembrar minhas
loucuras tentando te conquistar.
Uma cachoeira encantada vai te lembrar
minha risada quando eu só existia para te amar...

E ao ouvir pássaros cantando, em alguns galhos namorando, recordará algumas
canções que a gente escutava baixinho, jogados em qualquer cantinho,
deixando a canção dizer o que havia em nossos corações...

Se uma gota de orvalho atrevida em tua face pingar e mais uma outra, ainda
insistente, cair, é apenas uma lágrima que escorregou, é essa imensa
saudade a me consumir...

E, ao cair da tarde, quando tudo for silêncio,
olhe para o horizonte , escuta quando a noite chegar.
A mesma estrela vai te dizer
que, mesmo que nunca mais te encontre, eu jamais vou te esquecer...

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Compreensão e percepção

À medida que você aprende a entender profundamente as outras pessoas, vai descobrir grandes diferenças em sua percepção e a dar valor ao impacto que estas diferenças provocam quando as pessoas tentam trabalhar juntas em situações interdependentes.

Por exemplo: você vê a moça. Eu enxergo a velha senhora. E nós dois podemos estar certos. Você pode olhar para o mundo através de seu centro no cônjuge, e eu pelas lentes do dinheiro e da preocupação econômica. Você pode ter sido criado com a mentalidade da abundância, e eu seguir a mentalidade da escassez.

Nossas percepções podem ser muito diferentes. E mesmo assim nós dois vivemos durante anos, cada qual com seus paradigmas, pensando que eles são "fatos", e questionando o caráter ou a competência conceitual de qualquer um que não consiga ver esses "fatos".

Bem, apesar de todas as nossas diferenças, estamos tentando trabalhar em conjunto, seja no casamento, no trabalho, num projeto de serviço comunitário. Nossa tarefa é administrar recursos e obter resultados. Mas somos seres diferentes... então, como vamos agir? Como vamos transcender os limites de nossas percepções individuais, de forma que possamos nos comunicar em profundidade, lidar cooperativamente com as questões que temos pela frente e alcançar soluções ganha/ganha?

A resposta é tentar primeiro compreender. Ou seja, compreender as necessidades e preocupações do outro para depois ser compreendido.

Os antigos gregos tinham uma filosofia que se encontra embutida em três palavras organizadas em seqüência: etos, patos, e logos. Etos é sua credibilidade pessoal, a fé que as pessoas têm em sua integridade e competência; patos é seu lado empático - o sentimento; e logos é a lógica, a parte pensada da comunicação.
Na seqüência: etos, patos, logos é igual a seu caráter, seu relacionamento e a lógica de sua mensagem. Portanto, acredito que essas três palavras abrigam a essência de procurar, primeiro, compreender para conseguir a eficácia no desenvolvimento de suas idéias e sua apresentação.


(Extraído do livro de Stephen Covye, ”Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes”)

Frases

“Deus bendisse ao homem, não por haver encontrado, mas por haver buscado.”
(Victor Hugo)

“Os homens não seguem aqueles que estão em dúvida.”
(Walter Lippman)


“Enquanto o homem não souber para que porto quer ir, nenhum vento será o certo".
(Sêneca)


“O silêncio é a melhor escola do mundo.”
(Palladas)

“Uma idéia que não se põe em prática é um sonho.”
(Stanislaw Jerzy Lec)

“As crianças necessitam mais de modelos do que críticos.”
(Joseph Joubert)