quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Os excluídos

Ao contrário do que o título desta crônica possa sugerir, não vou falar sobre aqueles que vivem à margem da sociedade, sem trabalho, sem estudo e sem comida. Quero fazer uma homenagem aos excluídos emocionais, os que vivem sem alguém para dar as mãos no cinema, os que vivem sem alguém para telefonar no final do dia, os que vivem sem alguém com quem enroscar os pés embaixo do cobertor. São igualmente famintos, carentes de um toque no cabelo, de um olhar admirado, de um beijo longo, sem pressa pra acabar.

A maioria deles são solteiros, os sem-namorado. Os que não têm com quem dividir a conta, não têm com quem dividir os problemas, com quem viajar no final de semana. É impossíver ser feliz sozinho? Não, é muito possível, se isso é um desejo genuíno, uma vontade real, uma escolha. Mas se é uma fatalidade ao avesso - o amor esqueceu de acontecer - aí não tem jeito: faz falta um ombro, faz falta um corpo.

E há aqueles que têm amante, marido, esposa, rolo, caso, ficante, namorado, e ainda assim é um excluído. Porque já ultrapassou a fronteira da excitação inicial, entrou pra zona de rebaixamento, onde todos os dias são iguais, todos os abraços, banais, todas as cenas, previsíveis. Não são infelizes e nem se sentem abandonados. Eles possuem um relacionamento constante, alguém para acompanhá-los nas reuniões familiares, alguém para apresentar para o patrão nas festas da empresa. Eles não estão sós, tecnicamente falando. Mas a expulsão do mundo dos apaixonados se deu há muito. Perderam a carteirinha de sócios. Não são mais bem-vindos ao clube.

Como é que se sabe que é um excluído? Vejamos: você passa por um casal que está se beijando na rua - não um beijinho qualquer, mas um beijo indecente como tem que ser, que torna tudo em volta irrelevante - você inclusive. Se lhe bate uma saudade de um tempo que parece ter sido vivido antes de Cristo, se você sente uma fisgada na virilha e tem a impressão que um beijo assim é algo que jamais se repetirá em sua vida, se de certa forma este beijo que você assistiu lhe parece um ato de violência - porque lhe dói - então você está fora de combate, é um excluído.

A boa notícia: você não é um sem trabalho, sem estudo e sem comida - é apenas um sem-paixão. Sua exclusão pode ser temporária, não precisa ser fatal. Menos ponderação, menos acomodação, e olha só você atualizando sua carteirinha. O clube segue de portas abertas.
(Texto de Martha Medeiros - 07 de junho de 2004)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Achamos que sabemos

Outro dia assisti a um filme no DVD do qual nunca tinha ouvido falar – talvez porque nem chegou a passar nos cinemas. Chama-seVida de Casado, um drama enxuto, com apenas 90 minutos de duração e jeito de clássico. Gostei bastante. Um homem casado há muitos anos se apaixona por uma bela garota e com ela quer viver, mas não sabe como terminar seu casamento sem que isso humilhe a venerável esposa, então decide que é melhor matá-la para que ela não sofra: não é uma solução amorosa? Não tem o brilhantismo de um Woody Allen, mas o roteiro possui certo parentesco com Crimes e Pecados. Se fosse possível resumir o filme numa única frase, seria: “Ninguém sabe o que está se passando pela cabeça da pessoa que está dormindo ao nosso lado”.

Será que nós sabemos, de verdade, o que acontece a nossa volta? Achamos que sabemos.

Achamos que sabemos quais são as ambições de nossos filhos, o que eles planejam para suas vidas, esquecendo que a complexidade humana também é atributo dos que nasceram do nosso ventre, e que, por mais íntimos e abertos que eles sejam conosco, jamais teremos noção exata de seus desejos mais secretos.

Achamos que sabemos o que o amor da nossa vida sente por nós, baseados em suas declarações afetuosas, seus olhares ternos, suas gentilezas intermináveis e sua permanência, mas isso diz tudo mesmo? Nem sempre temos conhecimento das carências mais profundas daquele que vive sob o nosso teto, e não porque ele esteja sonegando alguns de seus sentimentos, mas porque nem ele consegue explicar para si mesmo o que lhe dói e o que ainda lhe falta.

Achamos que sabemos quais são as melhores escolhas para nossa vida, e é verdade que alguma intuição temos mesmo, mas certeza, nenhuma. Achamos que sabemos como será envelhecer, como será ter consciência de que se está vivendo os últimos anos que nos restam, como será perder a rigidez e a saúde do corpo, achamos que sabemos como se deve enfrentar tudo isso, mas que susto levaremos quando chegar a hora.

Achamos que sabemos o que pensam as pessoas que nos fazem confidências, aceitamos cada palavra dita e nos sentimos honrados pelas informações recebidas, sem levar em conta que muito do que está sendo dito pode ser da boca pra fora, uma encenação que pretende justamente mascarar a verdade, aquela verdade que só sobrevive no silêncio de cada um.

Achamos que sabemos decodificar sinais, perceber humores, adivinhar pensamentos, e às vezes acertamos, mas erramos tanto.

Achamos que sabemos o que as pessoas pensam de nós. Achamos que sabemos amar, achamos que sabemos conviver e achamos que sabemos quem de fato somos, até que somos pegos de surpresa por nossas próprias reações.

Achar é o mais longe que podemos ir nesse universo repleto de segredos, sussurros, incompreensões, traumas, sombras, urgências, saudades, desordens emocionais, sentimentos velados, todas essas abstrações que não podemos tocar, pegar nem compreender com exatidão. Mas nos conforta achar que sabemos.

(texto de Martha Medeiros, publicado no jornal Zero Hora/RS)

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Paz

Paz é palavra latina e naquela cultura era também uma divindade alegórica, filha de Júpiter e Têmis, que tinha por atributos o galho de oliveira, o caduceu e a tocha acesa. Significa ausência de lutas, violências, conflitos ou perturbações entre pessoas, entre nações ou mesmo internamente. É ausência de agitação ou ruído; é repouso, silêncio, sossego. Ser de boa paz. Ter índole pacífica, serenar.
Nós alcançamos esse sossego, essa paz quando deixamos de tentar convencer os outros das nossas verdades. Aí, nós permitimos que a outra pessoa faça as coisas do jeito dela, porque confiamos nela. Porque sabemos que cada um tem seus próprios caminhos para chegar aonde quer que seja. Já as guerras existem apenas porque os soldados acreditam no poder, nas ordens dos comandantes. E querem convencer o outro, nem que seja à força, de que só a verdade dele é válida. Se você for seu próprio comandante, vai viver em paz consigo mesmo.
- A paz não é meramente uma meta distante que perseguimos, mas o meio pelo qual alcançamos esta meta. (Martin Luther King)
- Que as idéias se oponham, mas não os corações. (C.C. Mehta)
- Não há caminho para a paz. A paz é o caminho. (Ghandi)
- Uma paz insincera é melhor do que uma guerra sincera. (Provérbio Judaico)
- O segredo para viver em paz com todos consiste na arte de compreender cada um segundo a sua individualidade. (Federico Luis Jahn)
- Dê uma chance a paz. (John Lennon)

(texto de Fátima Mesquita)