domingo, 30 de maio de 2021

DECLARAÇÃO DE BENS - HÉLIO FRAGA

 


O pai moderno, muitas vezes perplexo, aflito, angustiado, passa a vida inteira correndo atrás do futuro e se esquecendo do agora. Na luta para edificar este futuro, ele renuncia ao presente. Por isso, é um homem ocupado, sem tempo para os filhos, envolvido em mil atividades — tudo com o objetivo de garantir o seu amanhã.

É com que prazer e orgulho, a cada ano, ele preenche sua declaração de bens para o Imposto de Renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito esforço, muito trabalho. Lote, casa, apartamento, sítio — tudo isso custou dias, semanas, meses de luta. Mas ele está sedimentando o futuro da sua família. Se ele parte um dia, por qualquer motivo, já cumpriu sua missão e não vai deixar ninguém desamparado.

E para ir escrevendo cada vez mais linhas na sua relação de bens, ele não se contenta com um emprego só — é preciso ter dois ou três; vender parte das férias, em vez de descansar junto à família; levar serviço para fazer em casa, em vez de ficar com os filhos; e é um tal de viajar, almoçar fora, discutir negócios, marcar reuniões, preencher a agenda — afinal, ele é um executivo dinâmico, faz parte do mundo competitivo, não pode fraquejar.

No entanto, esse homem se esquece de que a verdadeira declaração de bens, o valor mais alto, aquele que efetivamente conta, está em outra página do formulário do Imposto de Renda — mais precisamente, naquelas modestas linhas, quase es­condidas, onde se lê “relação dos dependentes”. Aqueles que dependem dele, os filhos que ele colo­cou no mundo, e a quem deve dedicar o melhor de seu tempo.

Os filhos são novos demais, não estão interes­sados em lotes, casas, salas para alugar, aumento da renda bruta — nada disso. Eles só querem um pai com quem possam conviver, dialogar, brincar. Os anos vão passando, os meninos vão crescendo, e o pai nem percebe, porque se entregou de tal forma ao trabalho - vulgo construção do futuro - que não viveu com eles, não participou de suas pequenas alegrias, não os levou ou buscou no co­légio, nunca foi a uma festa infantil, não teve tem­po para assistir à coroação da menina — pois um executivo não deve desviar sua atenção para essas bobagens. São coisas de desocupados.

 Há filhos órfãos de pais vivos, porque estão “entregues” - o pai para um lado, a mãe para c outro, e a família desintegrada, sem amor, sem diálogo, sem convivência. E é esta convivência que solidifica a fraternidade entre os irmãos, abre seu coração, elimina problemas, resolve as coisas na base do entendimento.

Há irmãos crescendo como verdadeiros estra­nhos, porque correm de um lado para o outro o dia inteiro — ginástica, natação, judô, balé, aula de música, curso de Inglês, terapia, lição de piano, etc. — e só se encontram de passagem em casa, um chegando, o outro saindo. Não vivem juntos, não saem juntos, não conversam — e, para ver os pais, quase é preciso marcar hora.

Depois de uma dramática experiência pessoal e familiar vivida, a única mensagem que tenho para dar — e que tem sido repetida exaustivamente em paróquias, encontros familiares, movimentos e entidades — é esta: não há tempo melhor aplicado do que aquele destinado aos filhos.

Dos 18 anos de casado, passei 15 anos correndo e trabalhando, absorvido por muitas tarefas, envolvido em várias ocupações, totalmente entregue a um objetivo único e prioritário: construir o futuro para três filhos e minha mulher. Isso me custou longos afastamentos de casa, viagens, estágios, cursos, plantões no jornal, madrugadas no estúdio da televisão, uma vida sempre agitada, atarefada, tormentosa, e apaixonante na dedicação à profissão escolhida — que foi, na verdade, mais importante do que minha família.

E agora, aqui estou eu, de mãos cheias e de coração aberto, diante de todos vocês, que me conhecem muito bem. Aqui está o resultado de tanto esforço: construí o futuro, penosamente, e não sei o que fazer com ele, depois da perda do Luiz Otávio.

De que valem casa, carros, sala, lote, e tudo o mais que foi possível juntar nesses anos todos de esforço, se ele não está mais aqui para aproveitar isso com a gente?

Se o resultado de 30 anos de trabalho fosse consumido agora por um incêndio, e desses bens todos não restasse nada mais do que cinzas, isso não teria a menor importância, não ia provocar o menor abalo em nossa vida, porque a escala de valores mudou, e o dinheiro passou a ter um peso mínimo e relativo em tudo.

Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura e a saúde de um filho amado, para que serve ele? Para que ser escravo dele?

Eu trocaria — explodindo de felicidade — todas as linhas da declaração de bens por uma única linha que eu tive de retirar, do outro lado da folha: o nome do meu filho na relação dos dependentes. E como me doeu retirar essa linha, na declaração de 1983, ano-base de 82.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

A alegria na tristeza

 O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se "Alegría de la tristeza" e está no livro "La vida ese paréntesis" que, até onde sei, permanece inédito no Brasil.

O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la.

Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.

Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.

Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.

Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.

Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada.

Martha Medeiros

Felicidade Realista

 De norte a sul, de leste a oeste, todo mundo quer ser feliz. Não é tarefa das mais fáceis. A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica, a bolsa Louis Vitton e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Por que só podemos ser felizes formando um par, e não como ímpares? Ter um parceiro constante não é sinônimo de felicidade, a não ser que seja a felicidade de estar correspondendo às expectativas da sociedade, mas isso é outro assunto. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com três parceiros, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.

Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um game onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo.

Não achei o autor.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Voto do Desembargador Palma Bisson

Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro – ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna. Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai – por Deus ainda vivente e trabalhador – legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em pau- brasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro – que nem existe mais – num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina. Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é. O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante. Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres. Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d’água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou. Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo ? Quiçá no livro grosso dos preconceitos… Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir. Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal. É como marceneiro voto.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Desejo

Desejo que você
Não tenha medo da vida, tenha medo de não vivê-la.
Não há céu sem tempestades, nem caminhos sem acidentes.
Só é digno do pódio quem usa as derrotas para alcançá-lo.
Só é digno da sabedoria quem usa as lágrimas para irrigá-la.
Os frágeis usam a força; os fortes, a inteligência.
Seja um sonhador, mas una seus sonhos com disciplina,
Pois sonhos sem disciplina produzem pessoas frustradas.
Seja um debatedor de ideias. Lute pelo que você ama.

Augusto Cury

terça-feira, 30 de junho de 2020

Frases

"Não façamos do amor algo desonesto."

"A escuridão ainda é pior que esta luz cinza."

"O mal do século é a solidão, cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de afeição."

"Palavras mordazes que machucam tanto, não levam a nada, como sempre."

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Conselhos

Tudo está escrito nos ruídos. O passado, o presente e o futuro do homem. Um homem que não sabe ouvir, não pode escutar os conselhos que a vida nos dá a cada instante. Só quem escuta o ruído do presente, pode tomar a decisão certa.

Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras.

Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação.

Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos.

Cuidado com seus hábitos: eles moldam seu caráter.

Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.

Por que parar?

Desde jovem, o pintor Henri Matisse costumava visitar semanalmente o grande Renoir em seu atelier. Quando Renoir foi atacado por artrite, Matisse passou a fazer visitas diárias, levando alimentos, pincéis, tintas, mas sempre procurando convencer o mestre de que estava trabalhando demais, e precisava descansar um pouco.

Certo dia, notando que cada pincelada fazia com que Renoir gemesse de dor, Matisse não se conteve:

- Grande mestre, sua obra já é vasta e importante. Por que continuar torturando-se desta maneira?
- Muito simples - Renoir respondeu. - A beleza permanece; a dor termina passando.